Regina Migliori
No início
deste ano, assistimos à indignação frente ao pagamento de bônus, nos Estados
Unidos, aos profissionais responsáveis por uma das maiores crises econômicas
globais nos últimos 100 anos. Seguramente estas pessoas têm um diploma
universitário. Provavelmente algum tipo de especialização, além de inúmeros
treinamentos complementares oferecidos pelas empresas por onde passaram. Mas
nada disso parece ter sido suficiente para anteverem o desastre de forma
competente e responsável, ou no mínimo para se perceberem responsáveis pelos
impactos provocados a partir da sua consciência ética.
Também
temos visto o surgimento de inúmeras abordagens do universo, do planeta, e de
nós mesmos baseadas na urgência da recuperação de um ingrediente precioso para
a manutenção da vida: o amor. Não há nada de banal, romântico ou alienado nesta
afirmação.
Se
entendermos o amor como um valor humano universal, e não só como um sentimento
ou emoção, é possível compreendê-lo como uma força que congrega, um padrão que
harmoniza e integra. Há quem compare o valor humano amor com a força da
gravidade: uma força que atrai mas não imobiliza, que aproxima e sustenta o
movimento.
Poderíamos
dizer que este mesmo padrão de força existente no universo, quando expressado
pelos seres humanos, chama-se “amor”. Um padrão que atrai, aproxima, integra, e
sustenta a movimentação da vida. Saber exercitar esta força pode se transformar
em “competência amorosa”: reverenciar a vida no planeta, recuperar o respeito
pelos demais seres humanos, resgatar a natureza benéfica dos negócios, diminuir
as desigualdades sociais, tudo isso é fruto desta modalidade de competência.
É tarefa
dos educadores, e de todos, despertar o que há de melhor nos outros e em si
mesmos. Transformar esta competência amorosa em algo acessível aos jovens,
às família, à sociedade, estimulando uma compreensão ampla da ação humana em
seus diferentes níveis de responsabilidade.
A ação
humana é extremamente complexa, tanto em sua concepção como na sua execução e
nos impactos que provoca. Por esta razão, pode ser compreendida em
três níveis de conexão.
O primeiro
é a conexão da pessoa consigo mesma, com suas potencialidades, limitações,
anseios, conhecimento, valores, etc. O segundo nível diz respeito à conexão da
pessoa com seu universo próximo, o cenário e as condições em que a ação de fato
ocorre. E o terceiro nível corresponde aos resultados, impactos e repercussões
provocados.
Uma ação
se compõe de todos estes elementos. Não basta só “saber fazer”. É preciso
também saber “por que”, “para que” e “como” realizar algo. E ainda monitorar
impactos e resultados.
Uma visão
simplista e fragmentada das nossas ações, ignorando a complexidade destes
aspectos, sempre acarreta algum tipo de desastre. Seja na relação consigo
mesmo, com o universo próximo ou com a repercussão da própria atuação.
Foi por
ignorar estes níveis de conexão que estamos enredados por desafios ambientais,
econômicos, sociais, e pessoais de tamanha intensidade. Não imaginávamos que o
lixo nosso de cada dia, jogado automaticamente na rua, pudesse causar tanto
estrago. Assim como nos desconectamos destes impactos, também não percebemos
tantas outras situações em que as características da nossa atuação fazem muita
diferença, modelando o mundo e a realidade em que vivemos.
Ignorar as
próprias potencialidades, visões de mundo, anseios pessoais, conhecimentos, tudo
isso acaba por esvaziar a ação de significação, transforma as pessoas em
autônomos muitas vezes bem sucedidos, mas sem nenhum vínculo com a relevância
da sua atuação.
Tomar
consciência disso aumenta a responsabilidade e faz perceber a importância
de clarear o enraizamento interior das ações. O mundo em que vivemos é o mundo
que construímos. Realidade externa e realidade interior são integradas e
interdependentes, interagindo permanentemente.
O processo
educativo, responsabilidade de educadores e de todos nós, precisa resgatar
alguns eixos direcionadores: o desenvolvimento do potencial humano, a criação
do conhecimento, a vivência de valores humanos, e a responsabilidade pelos
impactos provocados.
Educar
deixa de ser uma mera viagem intelectual por uma área de conhecimento
delimitada. A criação do conhecimento precisa incorporar os paradigmas que vêm
orientando a ciência neste século, embasados nas noções de complexidade,
complementaridade e totalidade integrada.
Construir
conhecimento de forma integrada prevê também a ampliação da visão do ser humano
sobre si mesmo, descobrindo e desenvolvendo novas potencialidades, acionando os
cérebros e as inteligências de forma mais criativa, flexível e harmônica.
Porém,
criar conhecimento e desenvolver potencialidades ainda não basta para termos um
mundo melhor. Um procedimento de educação baseado somente nestes dois aspectos
pode produzir "gênios" voltados para a destruição, gente muito
inteligente, muito competente, mas sem nenhum comprometimento ético.
Principalmente
em tempos de globalização e de crises, torna-se fundamental embasar o processo
educativo em valores humanos universais, visando encontrar outras premissas,
que nos levem a outros resultados.
Ainda não
sabemos como lidar com desafios globais. Não sabemos construir estratégias que
gerem impactos positivos de forma integrada. Não sabemos pensar e decidir
levando-se em conta os inúmeros aspectos da realidade que se tornaram
relevantes e simultâneos. Se não sabemos, precisamos aprender rápido. Tornou-se
urgente mudar tanto a forma como aprendemos como a prática do que sabemos.
Não será
repetindo antigos modelos que a educação dará conta de promover este
aprendizado.
Para
entrarmos em ação de forma competente, consciente, transformadora e benéfica, é
preciso estabelecer um circuito metodológico em que seja possível:
harmonizar-se internamente, estabelecer processos reflexivos e criativos, atuar
em relação àquilo que foi elaborado, ser responsável pelos impactos produzidos.
Somos
responsáveis pela vida que vivemos, pelos sonhos que sonhamos, pelos sonhos dos
quais desistimos e por aqueles que levamos em frente.
Se algo
muda em nós, tudo à nossa volta muda também. Este é o mecanismo das conexões
que nos integram a nós mesmos, ao nosso universo de ação, e à consciência da
repercussão da nossa atuação - muito mais ampla do que nossa percepção pode
detectar.
Todos os setores da
sociedade podem se mobilizar neste sentido. Isso não requer exclusivamente
capacitação técnica e recursos financeiros. Depende também da disposição
pessoal e institucional de exercitar a "competência amorosa", um
exercício de liberdade e de responsabilidade, ativando a capacidade de responder
de forma eficiente, competente, criativa e benéfica às solicitações e demandas
que a vida apresenta.
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