quinta-feira, 31 de julho de 2014

Educação em Valores Humanos

Regina Migliori


No início deste ano, assistimos à indignação frente ao pagamento de bônus, nos Estados Unidos, aos profissionais responsáveis por uma das maiores crises econômicas globais nos últimos 100 anos. Seguramente estas pessoas têm um diploma universitário. Provavelmente algum tipo de especialização, além de inúmeros treinamentos complementares oferecidos pelas empresas por onde passaram. Mas nada disso parece ter sido suficiente para anteverem o desastre de forma competente e responsável, ou no mínimo para se perceberem responsáveis pelos impactos provocados a partir da sua consciência ética.


Também temos visto o surgimento de inúmeras abordagens do universo, do planeta, e de nós mesmos baseadas na urgência da recuperação de um ingrediente precioso para a manutenção da vida: o amor. Não há nada de banal, romântico ou alienado nesta afirmação.
Se entendermos o amor como um valor humano universal, e não só como um sentimento ou emoção, é possível compreendê-lo como uma força que congrega, um padrão que harmoniza e integra. Há quem compare o valor humano amor com a força da gravidade: uma força que atrai mas não imobiliza, que aproxima e sustenta o movimento.
Poderíamos dizer que este mesmo padrão de força existente no universo, quando expressado pelos seres humanos, chama-se “amor”. Um padrão que atrai, aproxima, integra, e sustenta a movimentação da vida. Saber exercitar esta força pode se transformar em “competência amorosa”: reverenciar a vida no planeta, recuperar o respeito pelos demais seres humanos, resgatar a natureza benéfica dos negócios, diminuir as desigualdades sociais, tudo isso é fruto desta modalidade de competência.
É tarefa dos educadores, e de todos, despertar o que há de melhor nos outros e em si mesmos. Transformar esta competência amorosa em algo acessível aos jovens, às família, à sociedade, estimulando uma compreensão ampla da ação humana em seus diferentes níveis de responsabilidade.
A ação humana é extremamente complexa, tanto em sua concepção como na sua execução e nos impactos que provoca. Por esta razão, pode  ser compreendida em três níveis de conexão.
O primeiro é a conexão da pessoa consigo mesma, com suas potencialidades, limitações, anseios, conhecimento, valores, etc. O segundo nível diz respeito à conexão da pessoa com seu universo próximo, o cenário e as condições em que a ação de fato ocorre. E o terceiro nível corresponde aos resultados, impactos e repercussões provocados.
Uma ação se compõe de todos estes elementos. Não basta só “saber fazer”. É preciso também saber “por que”, “para que” e “como” realizar algo. E ainda monitorar impactos  e resultados.
Uma visão simplista e fragmentada das nossas ações, ignorando a complexidade destes aspectos, sempre acarreta algum tipo de desastre. Seja na relação consigo mesmo, com o universo próximo ou com a repercussão da própria atuação.
Foi por ignorar estes níveis de conexão que estamos enredados por desafios ambientais, econômicos, sociais, e pessoais de tamanha intensidade. Não imaginávamos que o lixo nosso de cada dia, jogado automaticamente na rua, pudesse causar tanto estrago. Assim como nos desconectamos destes impactos, também não percebemos tantas outras situações em que as características da nossa atuação fazem muita diferença, modelando o mundo e a realidade em que vivemos.
Ignorar as próprias potencialidades, visões de mundo, anseios pessoais, conhecimentos, tudo isso acaba por esvaziar a ação de significação, transforma as pessoas em autônomos muitas vezes bem sucedidos, mas sem nenhum vínculo com a relevância da sua atuação.
Tomar consciência disso aumenta a responsabilidade e faz perceber a importância de clarear o enraizamento interior das ações. O mundo em que vivemos é o mundo que construímos. Realidade externa e realidade interior são integradas e interdependentes, interagindo permanentemente.
O processo educativo, responsabilidade de educadores e de todos nós, precisa resgatar alguns eixos direcionadores: o desenvolvimento do potencial humano, a criação do conhecimento, a vivência de valores humanos, e a responsabilidade pelos impactos provocados.
Educar deixa de ser uma mera viagem intelectual por uma área de conhecimento delimitada. A criação do conhecimento precisa incorporar os paradigmas que vêm orientando a ciência neste século, embasados nas noções de complexidade, complementaridade e totalidade integrada.
Construir conhecimento de forma integrada prevê também a ampliação da visão do ser humano sobre si mesmo, descobrindo e desenvolvendo novas potencialidades, acionando os cérebros e as inteligências de forma mais criativa, flexível e harmônica.
Porém, criar conhecimento e desenvolver potencialidades ainda não basta para termos um mundo melhor. Um procedimento de educação baseado somente nestes dois aspectos pode produzir "gênios" voltados para a destruição, gente muito inteligente, muito competente, mas sem nenhum comprometimento ético.
Principalmente em tempos de globalização e de crises, torna-se fundamental embasar o processo educativo em valores humanos universais, visando encontrar outras premissas, que nos levem a outros resultados.
Ainda não sabemos como lidar com desafios globais. Não sabemos construir estratégias que gerem impactos positivos de forma integrada. Não sabemos pensar e decidir levando-se em conta os inúmeros aspectos da realidade que se tornaram relevantes e simultâneos. Se não sabemos, precisamos aprender rápido. Tornou-se urgente mudar tanto a forma como aprendemos como a prática do que sabemos.
Não será repetindo antigos modelos que a educação dará conta de promover este aprendizado.
Para entrarmos em ação de forma competente, consciente, transformadora e benéfica, é preciso estabelecer um circuito metodológico em que seja possível: harmonizar-se internamente, estabelecer processos reflexivos e criativos, atuar em relação àquilo que foi elaborado, ser responsável pelos impactos produzidos.
Somos responsáveis pela vida que vivemos, pelos sonhos que sonhamos, pelos sonhos dos quais desistimos e por aqueles que levamos em frente.
Se algo muda em nós, tudo à nossa volta muda também. Este é o mecanismo das conexões que nos integram a nós mesmos, ao nosso universo de ação, e à consciência da repercussão da nossa atuação - muito mais ampla do que nossa percepção pode detectar.
Todos os setores da sociedade podem se mobilizar neste sentido. Isso não requer exclusivamente capacitação técnica e recursos financeiros. Depende também da disposição pessoal e institucional de exercitar a "competência amorosa", um exercício de liberdade e de responsabilidade, ativando a capacidade de responder de forma eficiente, competente, criativa e benéfica às solicitações e demandas que a vida apresenta.

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